5 de março de 2021

Resenha | Questão de Classe - Christina Dalcher

Livro cedido em parceria com a editora.

Autora: Christina Dalcher

Tradutor: Alves Calado

Número de páginas: 304

Ano: 2020

Editora: Arqueiro

Skoob: AQUI

Compre: Amazon

Sinopse: Em um mundo onde é preciso ser perfeito, como você se sairia?

É impossível saber o que você faria...

O potencial de todas as crianças é determinado por seu número Q. Uma pontuação alta dá acesso às melhores escolas e a um futuro brilhante. Aquelas que não obtêm a nota mínima são enviadas para um internato, sem muita perspectiva de vida.

O objetivo é construir uma sociedade melhor: custos baixíssimos para o governo, professores dedicados a classes separadas por desempenho e pais felizes por verem os filhos convivendo com seus iguais.

... se levassem seu filho para longe de você.

Elena Fairchild é professora de uma escola de elite. Quando sua filha de 9 anos tira uma nota baixa, é forçada a ir para uma instituição a milhares de quilômetros.

Como educadora, Elena pensava entender o funcionamento do sistema em camadas. Como mãe, sua perspectiva muda para sempre. Ela só quer a filha de volta.

E vai fazer o inimaginável para recuperá-la.

 

Neste mundo, perfeição é tudo.

Em algum lugar de um passado recente, os Estados Unidos estavam à beira do colapso. As taxas de imigração não paravam de crescer, havia superpopulação escolar e escassez de professores. Para tentar remediar o problema, o Departamento de Educação se uniu ao Instituto Genics, que criou software Q. Este software seria responsável por medir o desempenho dos estudantes a fim de separá-los por níveis de inteligência. A diretriz atual apontava que não era producente se empenhar em indivíduos que não valiam a pena. Algum tempo depois, o conceito de números Q foi expandido não só aos estudantes, mas aos trabalhadores em atividade, e não demorou muito até o Governo lançar um programa que conduzisse toda a nova realidade daquela sociedade: o Família Mais Apta.

Em um futuro não muito distante, a palavra que rege os Estados Unidos é perfeição. Números Q são uma realidade já normalizada e todos vivem em função dele. Um ponto a mais em seu número Q é recebido com grande orgulho; um ponto a menos, com grande receio. É o número Q que dita onde crianças e adolescentes irão estudar. Se em escolas prateadas (excelentes), verdes (medianas) e federais amarelas (ruins). Trabalhadores também dependem de seus números Q, já que são estes números que ditam se eles terão empregos ou subempregos. E o número Q não permite acomodação, já que ele é recalculado todo mês. Um dia você pode estar em uma escola prateada, no outro, em uma amarela. Um dia você pode ter um bom emprego, no outro, não.

Sempre fomos nossos números. Data de nascimento. Notas escolares. Pressão arterial. Índice de massa corporal. Notas de faculdade, mestrado e doutorado. Carteira de identidade, senha do banco e datas de validade. Para os mais radicais, toda a sequência de dezesseis dígitos do cartão de crédito. Nossa idade. Nosso patrimônio líquido. Nosso QI.

Elena Fairchild está cansada de ter que ser perfeita. Como esposa de Malcolm, Subsecretário de Educação, erros são ainda mais condenáveis. Ela precisa ser o exemplo e dar o exemplo, e precisa incentivar suas filhas, Anne e Freddie, a fazer o mesmo. Anne é um pequeno gênio, seu número Q é elevadíssimo e mal se altera, ela esteve em uma escola prateada durante toda a sua vida escolar. Freddie, por sua vez, tem mais dificuldade. A menina já está em uma escola verde e sofre constantes pressões por parte do pai, o que a deixa ainda mais nervosa. Dias de prova, ou seja, dias onde os números Q são recalculados, são um verdadeiro martírio para ela e para Elena, que sofre com o sofrimento da filha. 

Aos trancos e barrancos, Freddie vinha conseguindo manter seu número Q, mas chega o dia que Elena mais temia: o dia em que Freddie é rebaixada a uma escola amarela. Como Subsecretário de Educação, Malcolm poderia tentar reverter a situação, mas ele se recusa. O fracasso, para ele, é algo imperdoável. Ajudar Freddie seria macular a perfeição dos Fairchild, e nem a perspectiva de ver a filha sendo enviada para uma escola federal amarela a quilômetros de distância o amolece. 

Elena é professora de uma escola prateada e, assim como os alunos, pode ser rebaixada se seu número Q diminuir. No dia de sua avaliação mensal, ela deliberadamente escolhe falhar, e assim, depois de um plano mirabolante, ela consegue ser alocada para lecionar na mesma escola para a qual Freddie foi enviada. Elena já tinha ouvido histórias sobre as escolas federais amarelas; histórias consideradas lendas pela maioria das pessoas. Porém, chegando lá, Elena descobre que toda lenda tem um fundo de verdade, e a única coisa que ela quer é tirar sua filha de lá o mais rápido possível. Custe o que custar!

Há barras nas janelas.
Pela minha experiência, sei que as barras servem a dois propósitos: mantêm as pessoas do lado de fora ou do lado de dentro. Com um mau pressentimento na boca do estômago, fico imaginando a que propósito estas aqui servem.

••••••••••

No início de 2019, fiz a leitura de Vox e ela foi muito marcante. Foi até mesmo por isso que nem hesitei e quis logo ler Questão de Classe, da mesma autora. Christina Dalcher, ao que parece, quer seguir essa linha de livros que criam sociedades distópicas muito semelhantes ao nosso mundo real, em que mulheres lutam contra o machismo, o patriarcado e qualquer sistema que as coloque em um papel de seres inferiores. Em Vox essa abordagem era mais explícita, mas isto também está presente em Questão de Classe.

Em seu novo livro, Christina nos apresenta a uma sociedade onde as pessoas têm suas vidas definidas por um número, mais precisamente o número Q, que nada mais é do que a soma de uma variedade de componentes (notas escolares, rendimento no trabalho, pontualidade, registro de comparecimento, nível de participação, etc). Todas as pessoas em idade escolar e de trabalho o possui, e o número Q de um indivíduo também pode ser afetado pelos números Q das demais pessoas de seu núcleo familiar. Deste modo, as pessoas, se quiserem ter acesso ao que de melhor a sociedade pode oferecer, precisam manter seu número Q bem elevado e não podem vacilar, já que o mesmo é recalculado todo mês. 

No que diz respeito aos estudantes, o número Q também separa o joio do trigo. Números Q elevados representam vagas em escolas prateadas, de elite, reservadas apenas aos mais inteligentes; números Q médios dão acesso a escolas verdes, que ainda possuem alguma dignidade; já números Q baixos são uma passagem para as temidas escolas federais amarelas.

Há toda uma questão envolvendo um programa chamado Família Mais Apta, que é o que rege a sociedade. Este sistema incentiva, entre outras coisas, que mulheres se submetam a testes que indicarão se o bebê têm chances de obter um Q alto ao longo da vida. Vocês podem imaginar o que acontece se a resposta for não, né?

Como a sinopse e meu resumo destacam, Questão de Classe vai contar a história de uma mãe, Elena Fairchild, que luta para recuperar sua filha de nove anos, Freddie, após ela ser enviada para uma escola federal amarela a quilômetros de distância.

Toda a proposta da história era muito promissora, mas infelizmente senti um cheirinho de plot requentado. Há autores que têm uma receitinha de bolo que sempre dá certo e isso é super aceitável. O que me pegou em Questão de Classe foi a semelhança com alguns componentes do debute da autora que se destoavam da força que a ideia central do livro possuía. O que em Vox era novidade, em Questão de Classe já não é mais; e o que era mesmo novidade é, infelizmente, subaproveitado. Se eu precisasse definir o livro em poucas palavras eu diria que ele não possui identidade.

No núcleo dos Fairchilds nós temos Elena, que em muito se assemelha a Jean, protagonista de Vox. Temos Malcolm, marido de Elena, que trabalha para o Governo como Subsecretário de Educação. Em Vox, Patrick, marido de Jean, também trabalhava para o Governo e, assim como Malcolm, também considerava exagero todos os questionamentos da esposa. No livro anterior há Steven, o filho mais velho que em Questão de Classe se chama Anne. Ambos são egocêntricos e amam o sistema. Já Sonia, filha caçula por quem Jean enfrenta tudo e todos, aqui atende como Freddie. Há até mesmo flashes do passado que mostram como as coisas evoluíram ao status quo atual e há também um interesse amoroso da juventude da protagonista que não foi esquecido completamente. Ou seja, é muita semelhança e o que realmente importa, a identidade de Questão de Classe, é tímida e demora a aparecer.

A história propriamente dita começa depois da metade do livro, mas ainda assim há muita lentidão em seu desenvolvimento. Quando senti que a trama finalmente tinha pegado no tranco e as coisas realmente iam começar a acontecer, o livro acabou. Fiquei frustrada, pois Questão de Classe tinha um potencial enorme e ele, na minha opinião, não foi bem explorado.

Minha conexão com os personagens ficou um pouco prejudicada e não consegui me afeiçoar a nenhum deles. No geral, são sim indivíduos interessantes e que têm suas qualidades e defeitos. Elena é uma personagem forte, mas se eu fosse falar o que eu realmente achei teria que colocar um aviso de spoiler, então prefiro me omitir. Só me permito dizer que ela era capaz de mais! Malcolm é detestável, suas ideias e ideais são totalmente tortos e questionáveis, um marido ruim e um pai pior ainda. Anne é uma adolescente deslumbrada e Freddie uma criança assustada. Ambas cumprem bem seu papel dentro da história, mas sem grandes momentos. E coloco aqui como menção honrosa Ruby Jo, Lissa e Oma, pessoas que conseguem enxergar o sistema como ele é, não como ele finge ser.

Ainda que meu desapontamento tenha sido grande, percebam que minha nota não foi ruim. Três, no meu rankeamento, significa bom, pois, mesmo com todos os percalços, quando Questão de Classe entra em seu clímax, ele entrega bons questionamentos e boas reflexões acerca de assuntos como eugenia, meritocracia, capacitismo e homofobia.

A edição da Arqueiro segue o mesmo padrão da edição de Vox, com uma capa bem minimalista que tem tudo a ver com a proposta do livro. A história é narrada em primeira pessoa por Elena e é dividida em setenta e oito capítulos curtos. Alves Calado, tradutor de Vox, também é o tradutor de Questão de Classe e eu sempre pontuo que gosto quando um tradutor fica responsável pelas traduções de livros de um determinado autor. A impressão que fica é a de que ele captou bem o que Christina Dalcher quis transmitir, e com isso entregou um trabalho muito bem feito no que diz respeito ao impacto que a trama precisa causar.

Em suma, Questão de Classe foi uma leitura que caiu na armadilha das altas expectativas. Eu estava esperando muito, e por isso me decepcionei. Com seus méritos e deméritos, o livro acabou não sendo tudo aquilo que poderia ter sido, porém, como sempre é bom pontuar: esta é única e exclusivamente a minha opinião. Leiam e tirem suas próprias conclusões! 


22 comentários:

  1. Olá, Tamires.
    Eu gostei muito de Vox e fiquei bastante interessa nesse desde que lançou. E mesmo com suas ressalvas eu vou querer ler ele. Eu não me importo de o autor usar os mesmos elementos em seus livros, até porque amo a Agatha e os livros dela são todos parecidos hehe.

    Prefácio

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    1. Eu também não me importo, Sil, desde que haja identidade nas semelhanças. Isso acontece muito com os livros da Brittainy Cherry, cujos "esqueletos" são todos iguais, mas cada um tem uma carinha diferente por um motivo ou outro.

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  2. Oi, Tami
    Eu nem fazia ideia do plot do livro mas confesso que gostei bastante do enredo, pena que para quem já leu o anterior, vai achar tudo muito parecido. Se caso for alguém que não conheça, talvez dê certo. Infelizmente não é o meu tipo de leitura, eu gosto mais da distopia fantasiosa, mesmo assim vou anotar a dica para futuramente.
    Beijo!
    http://www.capitulotreze.com.br/

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    1. Pra mim uma distopia tem que ter um pézinho na realidade. Hahaha

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  3. Oi Tami, sua linda, tudo bem?
    Você não vai acreditar, mas aonde eu moro, já existe esse sistema, é claro que não é igual ao livro. Mas na corrida pelo vestibular, escolas e cursinhos já separam os alunos em turmas específicas pelas notas. Eu acho errado, é muita pressão e acaba gerando também uma disputa entre os alunos, rola até rejeição. Isso é muito ruim. Ainda bem que não são todos os que fazem isso. Eu gostei muito do enredo, mas pelas suas ressalvas, acho que vou ler o outro que você indicou: Vox.
    beijinhos.
    cila.
    https://cantinhoparaleitura.blogspot.com/

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  4. Oi, Tamires. Como vai? A premissa do livro é interessantíssima, embora eu discorde deste método usado. Que pena que autora não soube dar indentidade à sua obra. Ainda bem que, mesmo com as ressalvas a obra tenha lhe agradado. É um livro que eu leria sim, se tiver oportunidade. Ótima resenha. Abraço!


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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  5. Oi Tami,
    Vou te falar que não é um livro que chame tanto minha atenção, mas como algumas pessoas que leram/gostaram e me recomendaram estava considerando a leitura. Não crio muitas expectativas por não ser meu tipo, então acho que vale a leitura para eu ter uma opinião formada, só que vai esperar um pouco, rs.
    beijos
    http://estante-da-ale.blogspot.com/

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    1. O importante é isso mesmo, Ale. Ler para tirar suas próprias conclusões!

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  6. Oi, Tami! Tudo bom?
    Eu gostei muito de Vox, mas esse não fiquei com taaaanta vontade assim de ler. A trama não me chamou tanto a atenção, talvez por toda a edição e a vibe da história lembrarem Vox - e como tu mencionou, pelo jeito não tem tanta inovação assim na narrativa, então nem vou tentar.

    Beijos, Nizz.
    www.queriaestarlendo.com.br

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    1. Ahhh, é sempre bom dar uma chance. Vai que com você funciona?

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  7. Oi.
    Quando vamos com muita expectativa em cima de um livro as chances de decepção são maiores, já me decepcionei com várias leituras mas, fiquei curiosa com esse livro por causa do assunto abordado. Vou arriscar essa leitura em breve.
    Beijos.


    https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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  8. Olá,
    Eu acho engraçado que são sempre as mães se ferrando pelos filhos nos livros.
    Até achei a proposta interessante, mas minha vontade de ler Vox permanece antes desse.
    Não sei o motivo, pela resenha me pareceu que as filhas dos personagens principais não são tão carismáticas.

    até mais,
    Canto Cultzíneo

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    1. Elas são bem secundárias, Nana, apesar do ponto de partida ser a luta da mãe para recuperar a filha.

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  9. Não conhecia essa autora e nem seu livro anterior, mas achei interessante a abordagem de escrita dela, e realmente, a premissa do livro parecia promissora, uma pena que a autora reutilizou a base de outras histórias para criar essa. Pra mim, que quase nunca leio este tipo de livro, pode ser uma experiência melhor do que foi pra você, que de certa forma, já teve acesso a outra leitura da autora, o que te tornou este um livro previsível e sem identidade.
    Mas enfim, amei sua resenha, como sempre... super bem escrita.
    Beijo, Blog Apenas Leite e Pimenta ♥

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  10. Oi Tami! Eu não li nenhum dos dois livros da autora, mas tenho enorme curiosidade. Admito que mais por Vox. Uma pena suas expectativas não terem sido atingidas, eu sempre fico com este receio quando vou ler algo novo de um autor que me impressionou demais em meu primeiro contato com sua obra.
    Bjos!! Cida
    Moonlight Books

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  11. Oi Tami, tudo bem?

    Vox está na minha lista, mas até agora não encontrei o meu momento certo para começar a ler. Vi muitas pessoas comentando sobre Questão de Classe, porém a sua resenha é a primeira que leio.

    Apesar das suas ressalvas a premissa parece interessante. Não me incomodo como um autor utiliza os mesmos elementos do livro anterior, até porque acredito que isso ajuda dar uma identidade a narrativa dele.

    Talvez realmente aqui o problema tenha sido as expectativas (rs...) que quase sempre são difíceis de se conter quando o assunto é um livro de autor de quem gostamos muito.

    Beijos;***
    Ariane Gisele Reis | Blog My Dear Library.

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    1. Acho que não me fiz muito clara na resenha. Minha questão não foram os mesmos elementos propriamente ditos, e sim que não houve identidade nessa repetição, sabe? Me causou certo incômodo, pois parecia cenas no livro anterior com nomes de personagens diferentes.

      Que bom que você achou a premissa interessante, tomara que você consiga fazer a leitura e que goste da história! :D

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Tami Marins

Carioca e leonina, acha que nasceu na época errada. Lê desde que se entende por gente e é viciada em séries e em café. Escuta sempre as mesmas músicas, assiste sempre aos mesmos filmes e sonha escrever seu próprio livro.

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