17 de fevereiro de 2019

Resenha | Vox - Christina Dalcher


Livro cedido em parceria com a editora.

Autora: Christina Dalcher

Tradutor: Alves Calado

Número de páginas: 320

Ano: 2018

Editora: Arqueiro

Skoob: AQUI

Compre: Amazon
Sinopse: O governo decreta que as mulheres só podem falar 100 palavras por dia. A Dra. Jean McClellan está em negação. Ela não acredita que isso esteja acontecendo de verdade.

Esse é só o começo...

Em pouco tempo, as mulheres também são impedidas de trabalhar e os professores não ensinam mais as meninas a ler e escrever. Antes, cada pessoa falava em média 16 mil palavras por dia, mas agora as mulheres só têm 100 palavras para se fazer ouvir.

...mas não é o fim.

Lutando por si mesma, sua filha e todas as mulheres silenciadas, Jean vai reivindicar sua voz.


O que nossas meninas estudam agora? Um pouco de soma e subtração, ver as horas, saber contar o troco. Contar, claro. Devem aprender a contar primeiro. Até cem.

Em um futuro não muito distante, quando um presidente de extrema direita chega ao poder e um líder religioso excessivamente rigoroso o acompanha, as mulheres perdem a voz.

Jean McClellan é uma linguista cognitiva que, de repente, se vê refém de 100 palavras diárias. Caso exceda sua cota, o contador preso ao seu pulso solta uma descarga elétrica incapacitante. Seus dias, antes preenchidos com pesquisas importantíssimas, agora são repletos de silêncio e questionamentos que não podem ser verbalizados.

— Vocês não fazem ideia, senhoritas. Absolutamente nenhuma ideia. Estamos a um passo de voltar à pré-história, meninas. Pensem nisso. Pensem onde vocês vão estar, onde suas filhas vão estar, quando os tribunais atrasarem os relógios. Pensem em expressões como "permissão do cônjuge" e "consentimento paterno". Pensem em acordar um dia e descobrir que não têm voz em nada.

Jean, que é mãe de quatro filhos, não está nada contente com seu novo arranjo familiar. Patrick, seu marido, trabalha para o Governo e encara toda a situação com uma passividade irritante. Steven, seu filho mais velho, está se tornando um aprendiz de fascista e sua filha caçula, Sonia, está perdendo o viço da infância ao se ver presa às mesmas limitações que todas as mulheres agora enfrentam.

Quando o irmão do presidente sofre um acidente que com certeza comprometerá sua capacidade de comunicação, o reverendo Carl, braço direito do político, procura Jean convidando-a - uma ameaça disfarçada de convite - a fazer parte da equipe de desenvolvimento de um soro com ação na Área de Wernicke, uma parte do córtex cerebral que está ligado à fala. Como recompensa, seu contador seria retirado até que a pesquisa estivesse completa.

Jean, que já trabalhava neste soro antes de ser silenciada, rejeita a ideia à princípio, mas algumas circunstâncias fazem com que ela mude de opinião e dão a ela a coragem necessária para exigir que Sonia também seja beneficiada com a retirada do contador.

— Como mulheres, devemos manter o silêncio e obedecer. Se precisarmos saber de algo, perguntemos aos nossos maridos na intimidade do lar, porque é vergonhoso uma mulher questionar a liderança do homem, ordenada por Deus.

Agora livre de sua prisão oral, ainda que temporariamente, Jean precisa unir forças com antigos colegas que, assim como ela, não aceitam viver em um mundo onde as mulheres não têm voz.

••••••••••

Vox foi anunciado durante uma das campanhas eleitorais que mais me consumiram - psicologicamente falando - nos últimos anos. Quando as coisas terminaram do jeito que terminaram, não consegui pegar o livro para ler. Eu estava - e ainda estou - receosa acerca do futuro que nos espreita, por isso posterguei um pouco a leitura até estar mais conformada.

Vox é um soco no estômago e qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Nem me excedi no resumo do livro porque quanto menos vocês souberem, melhor. O impacto será bem maior se a leitura for feita no escuro.

O que podemos observar olhando ao nosso redor é que vivemos um processo involutivo assustador. Quem poderia imaginar que em pleno século XXI coisas como o papel da mulher na sociedade e a liberdade de expressão feminina ainda estariam sendo discutidos como se fossem merecimento e não um direito? Quem poderia imaginar que ainda seríamos tão subjugadas e desmerecidas? E quem poderia imaginar que haveria mulheres que consideram o movimento feminista desnecessário?

O mais assustador foi observar a rapidez com a qual as mulheres perderam seus direitos. Coisas que demoraram séculos para serem conquistadas são tiradas das mulheres desta história em um piscar de olhos, levando-nos a compreender como é frágil o lugar onde nos encontramos. Só foi preciso que um homem popular e extremista, dono de um discurso religioso e conservador, chegasse ao poder. Vox toca em feridas que ainda estão abertas e poucas são as pessoas que se dão conta disso.

Jean é uma personagem necessária porque é o retrato do pouco caso e do arrependimento. Quando mais jovem, ela considerava exagerado o comportamento politizado de sua amiga Jackie; agora, porém, vê sua falta de posicionamento com outros olhos. Somente quando precisa se posicionar para dar uma chance a sua filha é que ela compreende que o mundo não se resume apenas aos seus próprios interesses e problemas. Como lidar com o arrependimento de não usar sua voz para algo mais do que apenas falar?


Em Vox vemos também como a doutrinação é capaz de corromper qualquer um. Há um ditado que diz que uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade. O conceito da repetição é muito abordado na psicanálise e neste livro especialmente, até mesmo por conta da profissão de Jean como linguista cognitiva, isso é bastante enfatizado. Com a criação de Steven, filho mais velho de Jean, Christina mostra como o caráter pode ser facilmente corrompido quando o ego entra em jogo. Com a crença de que era um ser superior apenas pelo fato de ser homem, Steven se torna uma pessoa odiosa, que trata a mãe como um ser indigno apenas pelo fato de ser mulher.

Se de um lado temos Steven, do outro temos Sonia, filha mais nova de Jean que está crescendo neste novo sistema opressor. É triste ver alguém tão pequena já conformada com seu destino. É triste ver a mãe ensinando a filha a ficar quieta à base de recompensas. Sonia carrega o peso de ser, ao mesmo tempo, a fortaleza e o tendão de Aquiles de Jean.

Eu tenho apenas duas ressalvas que me impediram de dar nota máxima ao livro. A primeira é o romance presente na história, que foi totalmente irrelevante. Nem todo livro precisa de um romance e esse certamente é um que se encaixa neste grupo. A outra é em relação ao final, que realmente deixa a desejar. É corrido e até um tantinho mal executado, mas a relevância político-social do livro é tão grande que relevei e segui absorvendo tudo de bom que o livro tinha para me ensinar, porque sim, ele faz isso.

O livro é narrado em primeira pessoa e foi uma decisão super coerente, a trama não teria o mesmo impacto se não conhecêssemos a história sob o ponto de vista de Jean. A edição da Arqueiro está ótima! A capa é simples, mas cheia de significado. As folhas são amareladas, de boa qualidade e a diagramação segue o padrão simples e confortável da editora.

O livro ainda aborda, mesmo que superficialmente, como homossexuais e negros são tratados neste novo regime opressor. E ainda que possa parecer uma trama desoladora, há uma esperança, pois sempre, sempre, haverá uma resistência.


Essa leitura foi sufocante; sufocante porque quanto mais próxima da realidade é uma distopia, mais assustadora ela se torna. Vox é tão real que a vontade que eu tinha era a de sair gritando para ver se minha voz ainda me pertencia. Ela me pertence, mas até quando?


24 comentários:

  1. Já faz um tempinho que estou querendo conferir esse livro.
    Blog Entrelinhas

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  2. Oi Tami, tudo bem? Uau, que resenha!!!! Se alguém não queria ler esse livro, depois de ler tua resenha ficará impressionado com o quanto essa história se mostra intensa, profunda e alarmante. Eu quero muito conferir a história, mas preciso me preparar, porque fico muito angustiada com leituras nas quais as pessoas tem algum tipo de liberdade tolhida.
    Beijos, Adri
    Espiral de Livros

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  3. A ideia dessa história é muito interessante, me chama muito a atenção. Vou querer ler ele esse ano ainda, porque acho que as mensagens que traz é muito importante.

    www.vivendosentimentos.com.br

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  4. Olá, Tamires.
    Esse livro mexeu demais comigo. É de ficar arrepiada ler e enxergar coisas que estão acontecendo agora e que a maioria das pessoas não estão vendo. Todo dia nos noticiários vemos uma ou outra coisa que as pessoas estão deixando passar até ser tarde demais. Acho que esse livro deveria ser lido por todos. Inclusive por mulheres que não apoiam o feminismo, talvez por não entender o que seja de fato. Eu que já lia distopias com medo, quando li esse fiquei, Deus nos proteja.

    Prefácio

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  5. Me lembrou muito The Handmaid's Tales, quero ler agora. Vou adicionar a minha lista.
    Beijos! Gravado na Memória

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  6. Oiii Tami

    É meio assustador mesmo quando lemos uma distopia e percebemos que ela está próxima da realidade e acompanhamos as consequências de se isso acontecer....é realmente angustiante demais.
    Quero ler Vox em breve, só tenho visto elogios embora todo mundo diga que o final é meio meh...rsrs, mas acho a premissa interessante demais, merece ser conferido porque certamente traz uma reflexão grande.

    Beijos

    www.derepentenoultimolivro.com

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    1. O final é meio meh mesmo, mas a mensagem do livro segue sendo importante mesmo assim.

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  7. Oi Tami!
    Eu quero muito ler Vox. A leitura parece pesada, também com esse tema, mas estou desejando desde que foi lançado. Espero realmente conseguir saldar ele esse ano.

    Abraços
    David
    http://territoriogeeknerd.blogspot.com/

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  8. Oi tami!!!
    Não tinha visto esse livro ainda, mas fiquei super empolgada para lê-lo depois que conferi sua resenha. É um tema polêmico, que eu acredito, traz grandes lições sobre respeito e justiça às mulheres.
    Grande abraço
    EVENTUAL OBRA DE FICÇÃO

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  9. Oi, Tami!
    Ainda não li esse livro porque ele é muito próximo da nossa realidade, porém pretendo um dia.
    Eu vi essa questão do final corrido e eu fico meio desconfiada.
    Beijos
    Balaio de Babados

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  10. Oi, Tami
    A sua resenha teve as mesmas ressalvas que a da Sil, então acredito que eu vou acabar gostando do livro, até porque eu adoro romance, mesmo desnecessário, só a parte do final mal executado que é triste. Eu tenho o livro em e-book mas assim como você acho que não é a hora de ler, preciso primeiro ter a mente aberta pra receber a leitura, mas não vejo a hora!
    Beijo

    http://www.capitulotreze.com.br

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  11. Oi Tami!
    Não sabia que tinha romance nesse livro, realmente não parece que precisa disso, rs
    Ainda não consegui comprar esse livro mas continuo muito interessada em ler!
    Bjs
    http://acolecionadoradehistorias.blogspot.com

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  12. Oi Tami, tudo bem? Eu ainda não li Vox, mas apesar das ressalvas eu achei a premissa tão boa, que ainda fico com vontade de ler rsrsrsrs Pela resenha melhor ignorar o romance rsrsrsrs

    Bjs, Mi

    O que tem na nossa estante

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  13. Oi, Tami! Tudo bom?
    Esse livro foi um impacto no meu emocional que dá nervoso só de lembrar JKANSFUOBASUOASGBUOASGB todas as injustiças e absurdos são tão reais que mal parece ficção.
    O romance eu total ignorei a existência :v e o final, apesar de apressado, me pegou num momento bem de 'MEU DEUS O QUE VAI ACONTECER' então nem prestei atenção no ritmo AASUHASUHASUHASUH

    Beijos,
    Denise Flaibam.
    www.queriaestarlendo.com.br

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  14. Oi, Tami! Tudo bem?
    Eu já tinha visto esse livro por aí, mas não tinha noção do que ele é, mas com certeza é necessário (vou comprá-l logo). Porém, sua resenha também é muito necessária e de verdade, eu realmente a adorei, porque não só falou sobre este livro, falou sobre nós, mulheres e sobre nós como sociedade. As duas primeiras linhas – "Em um futuro não muito distantes..." – já me deixaram meio, não sei bem a palavra, mas assim: "ei, esse futuro já é meio que a nossa realidade agora.
    Infelizmente, mesmo que tenha levado tanto tempo para conquistar os nossos direitos, eles ainda são discutidos como se não fossem nossos e como você disse, podem ser facilmente tirado de nós.
    Quero muito ler este livro, mas muito obrigada pela sua resenha, pela sua voz.

    Beijos,
    Blog Magia é Sonhar
    Canal Magia é Sonhar

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  15. Oi Tami,
    HAHAHA rindo de nervoso da primeira linha da resenha.
    Acho que sua resenha foi uma das poucas positivas que li, e to meio ??? querendo saber o que o pessoal viu de tão negativo. Talvez o romance? Eu acho que não há clima. Toda premissa é tão perturbadora quanto O Conto da Aia. Somos muito vulneráveis à essas situações, infelizmente. Não somos donas nem do nosso ventre. Quem não tá com medo, não tá prestando atenção.

    até mais,
    Canto Cultzíneo

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  16. Oie!

    Pela premissa, percebe-se que lembra um pouco O CONTO DA AIA, por ser um futuro onde as mulheres perdem seus direitos e tals...
    Com certeza deve ser um livro muito bom, mas o que me incomoda muito, mesmo sem ter lido, é a escolha de lados políticos, colocando um lado como extremamente perverso e mal, que seria capaz de todas as atrocidades apenas por ser de direita (nesse caso)... não sei, fico meio receosa com livros assim, mas ainda quero dar uma chance, um dia.

    Bjus
    Início de Conversa

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    Respostas
    1. Ora, mas a extrema direita existe, assim como a extrema esquerda. Isso não é algo inventado. TUDO o que é extremo é maléfico, não é saudável, socialmente falando, achar que apenas um ideal é o correto e que somente ele é capaz de fazer a sociedade evoluir... é perigoso. Ao longo da história muitas pessoas já morreram por isso. Hoje em dia muitos continuam morrendo. Vox é importante por mostrar o perigo do extremismo político e religioso.

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  17. Gente, esse livro parece ser espetacular. Ainda não tinha ouvido falar nele, acredita? Quero ler urgente!

    https://www.kailagarcia.com

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Tami Marins

Carioca e leonina, acha que nasceu na época errada. Lê desde que se entende por gente e é viciada em séries e em café. Escuta sempre as mesmas músicas, assiste sempre aos mesmos filmes e sonha escrever seu próprio livro.

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